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19mai17
"É preciso anular todos os atos do governo Temer"
A famigerada música do plantão global foi obrigada a tocar e diante dos olhos do público o óbvio se materializava: o ex-vice de Dilma e atual presidente da República, depois de abertamente conspirar contra sua colega de chapa, confirma-se como mais um delinquente de um sistema político que se esgarça em praça pública pelos próprios méritos.
Exposta a gravação na qual um dos donos da Friboi - festejado expoente do modelo desenvolvimentista que marca o início de século brasileiro - acertava mesadas aos reclusos Eduardo Cunha e o doleiro Lucio Funaro com o próprio Michel Temer, todos se perguntaram se estavam, de fato, testemunhando o fim do governo que dias atrás festejara um ano em tímidos pronunciamentos. Aquele instante em que se esfrega o olho para crer.
Na manhã desta quinta, o furacão das delações continuou e testemunhamos a prisão de Andrea Neves, para alguns a própria "agente de carreira" do mano Aécio, cujas conversas de tom mafioso trazidas a público arruínam de vez sua biografia.
O sindicato dos jornalistas mineiros, repleto de profissionais que passaram anos a ver intimidações e até fechamentos de veículos que faziam oposição ao reinado do tucanato em Minas Gerais, até marcou uma festa. As redes sociais, após o delírio coletivo engendrado pelo "duelo" Moro x Lula, voltaram a explodir em catarse. "E as panelas?". "Votou no Aécio e não tem culpa?", entre outros desabafos compreensíveis, mas que pouco significam.
"A situação é severa, a classe dominante está tensa, alguns de seus setores se combatem e agora ela vai fechando suas próprias saídas. Agora é a burguesia paulista que vai pra fogueira", analisou a historiadora Virgínia Fontes, que já vinha tratando das tensões internas dos grandes capitais regionais brasileiros em seus estudos.
Diante do diálogo analisado pelo jornalista Alceu Castilho, pode-se concordar com a tese da historiadora, de que alguns ajustes internos à burguesia estão escapando a seu próprio controle. Afinal, a Fundação Nacional do Índio (Funai), sob égide do ministro da Justiça Osmar Serraglio, vem sendo desmoralizada por um governo que não teve dúvidas de ir a público defender a JBS-Friboi quando a Polícia Federal encetou a Operação Carne Fraca.
Como revelado, Serraglio foi patrocinado em sua campanha pelo monopólio das carnes. Entre o ministro e Temer, o empresário e deputado Rocha Loures, importante auxiliar do presidente, receptor da mala de dinheiro que veio à tona. Como moeda de troca, força total do governo na negação dos direitos territoriais indígenas e redução de algumas áreas de preservação, para regozijo do agronegócio.
"Nesses momentos de contração cíclica, a política e suas decisões tendem a alargar os espaços para a espoliação social: dos direitos sociais, dos salários, do tempo de trabalho das pessoas, dos recursos naturais, espoliação de tudo aquilo que é público e que estava até então à margem, ou relativamente fora, do modelo de exploração anterior. Minha previsão é que iremos assistir a um aprofundamento da mercantilização do trabalho, do dinheiro e do meio ambiente em uma escala ainda maior do que nos últimos 14 anos. Não há dúvida de que precisamos de uma alternativa radicalmente diferente do que está aí", já dissera a este Correio o sociólogo Ruy Braga, pouco antes da queda de Dilma.
Portanto, um governo intrinsecamente empresarial, sem a mediação de um poder legislativo cioso de outros interesses que não os exclusivamente capitalistas. E mesmo com tudo legalizado, a roubalheira chega a tal patamar que os donos de todas as peças do tabuleiro conseguem perder suas próprias partidas.
"O PMDB assume centralidade diante da impotência do PT em ser de fato um partido de esquerda e do PSDB de ser algo além de expressão regional de uma certa burguesia, enclausurada em São Paulo, Minas Gerais e um pedaço do Paraná, enquanto as burguesias brasileiras são mais amplas. Temos o desafio de entender a regionalização da grande burguesia, as estratégias das suas estruturas representativas e o fato de que seu conjunto tenha adotado todos os partidos ao longo dos anos", alertava Virgínia.
Enquanto a esquerda tomava as ruas das principais cidades do país para exigir a saída do presidente, o próprio tentou mostrar resiliência e bradou que fica, em discurso desta quinta. No entanto, diante das deserções de ministros que já se acumulam, acaba por lembrar o derradeiro discurso de Collor, quando o processo de seu impeachment tomou corpo definitivo.
Definitivamente, Globo atua como partido
De sua parte, a emissora, cujos negócios a colocam no patamar máximo da burguesia brasileira, continua a trabalhar por soluções à crise como uma autêntica organização política.
Não à toa, já vislumbra soluções, inclusive para além da possibilidade de, em caso de renúncia de Temer, Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara dos Deputados, assumir a presidência. Não é ponto sem nó a "reunião do PIB" com a ministra e presidente do STF, Carmen Lúcia, aparentemente o nome mais palatável ao público na linha sucessória oficial, ao menos se desconsideramos a possibilidade de novas eleições.
"A Globo claramente já grita 'Fora Temer' junto às manifestações de esquerda. Mas eles estão tentando separar o governo Temer de sua agenda econômica. O que a Globo ainda não definiu é como isso será possível. Pela via do impeachment, poderiam aceitar o Rodrigo Maia, isso se ele estiver interessado em nunca mais se eleger pra nada. Pode ser que sobre até pra Carmen Lúcia, que já recebeu empresários para conversar sobre as 'reformas' e não tem os problemas de popularidade de Maia. No cenário da eleição indireta pelo Congresso, podem eleger diretamente a cabeça mais visível da junta financeira que de fato vem governando o país, Henrique Meirelles, e isso já foi aventado em parte da imprensa", comentou ao Correio Dimitrios Sacute, membro do movimento Política Econômica da Maioria.
Sua avaliação acerta em cheio: instantes antes da publicação desta matéria, saiu o Editorial definitivo da Globo, que oficialmente abandona o governo Temer e pede um caminho aceitável "de acordo com a Constituição".
"Este jornal apoiou desde o primeiro instante o projeto reformista do presidente Michel Temer. Acreditou e acredita que, mais do que dele, o projeto é dos brasileiros, porque somente ele fará o Brasil encontrar o caminho do crescimento, fundamental para o bem-estar de todos os brasileiros. As reformas são essenciais para conduzir o país para a estabilidade política, para a paz social e para o normal funcionamento de nossas instituições. Tal projeto fará o país chegar a 2018 maduro para fazer a escolha do futuro presidente do país num ambiente de normalidade política e econômica", acabou de publicar o jornal dos Marinho.
Além de manter Lula no alvo em seu noticiário denuncista, a emissora compartilha o lamento do mercado financeiro, já a absorver o baque do adiamento do sonho das verdadeiras contrarreformas que defende dia e noite, seja por malícia semântica, seja por omissão de informações e versões que não sejam do interesse das fileiras neoliberais.
Seu noticiário registrou um momento tétrico no sentido de simbolizar que na atual quadra histórica o jornalismo empresarial derrubou o outrora sagrado muro que separava os departamentos editorial e comercial. Logo após a cabisbaixa entrevista do operador de mercado, na tarde de quinta, entrou no ar comercial do governo federal a propagandear a Reforma da Previdência. Em outras palavras, a Globo recebe dinheiro ao vivo e a cores para defender o programa de governo mais impopular que já tivemos notícia.
"Não tem como manter concessões dos gastos sociais do governo federal numa conjuntura de crise econômica. Isso iria colapsar conforme a crise econômica se aprofundasse. Houve uma desaceleração a partir de 2013. O governo do PT, em tal momento, ainda fez uma leitura vazia das Jornadas de Junho, quando as massas - em especial a juventude da classe trabalhadora, precarizada, mulher, negra e pobre - saíram às ruas exigindo mais democracia, gastos públicos, investimentos em saúde, educação, transporte, moradia. No mês seguinte, em julho de 2013, o governo Dilma cortou mais de 10 bilhões de reais do orçamento federal. A partir de então, não foi mais capaz de retomar a iniciativa política", também disse Ruy Braga na referida entrevista.
Ainda assim, o conglomerado insiste com sua pauta de austeridade. "Fingir que o escândalo não passa de uma inocente conversa entre amigos, iludir-se achando que é melhor tapar o nariz e ver as reformas logo aprovadas, tomar o caminho hipócrita de que nada tão fora da rotina aconteceu não é uma opção. Fazer isso, além de contribuir para a perpetuação de práticas que têm sido a desgraça do nosso país, não apressará o projeto de reformas de que o Brasil necessita desesperadamente. Será, isso sim, a razão para que ele seja mais uma vez postergado", afirma o Editorial.
As ruas estão frias
E diante das hesitações do lulopetismo, cuja lábia ainda enreda outros setores da esquerda, não surpreende o tamanho relativamente decepcionante, de acordo com diversos ativistas, das manifestações desta quinta.
Na avenida Paulista, cerca de 4 mil pessoas se encontraram e dividiram em dois blocos. A partir do MASP, PSOL e PSTU se deslocaram até a esquina com a Consolação, defronte ao escritório da presidência onde o MTST já levantara acampamento neste ano. Pelas mãos da UNE, governistas ficaram debaixo do vão do MASP, a fim de se protegerem da chuva. Já os anarquistas, os instaram a sair da toca com provocações contra Lula e Carina Vitral (presidente da entidade). Depois, todos se reencontraram em clima de frieza total.
Registre-se que tal já se vira em 28 de abril, dia da greve geral, quando a marcha do Largo da Batata até a casa de Temer, no bairro de Alto de Pinheiros, parecia uma "romaria", para usar a definição de uma pessoa ali presente. O "Fora Temer" puxado do alto do carro de som, muito estranhamente, não encontrava eco e ânimo nos presentes.
Talvez pelo fato de, após reunirem 100 mil pessoas na primeira manifestação contra o mandatário do PMDB, as lideranças das Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo terem recuado da pauta. Na compreensão dos mais críticos, um cavalo de pau que teria a ver com os cálculos da direção petista, e mais especificamente Lula, de que talvez fosse melhor deixar o governo fracassar para em 2018 apresentarem o ex-presidente como messias. Agora, gritam "se empurrar o Temer cai", o que o país inteiro sabe, diante de seus 4% de aprovação e a devastadora revelação propiciada pelos chefes da JBS - que há poucos dias era defendida pelas hostes ex-governistas quando envolvida pela investigação da PF.
Em outras capitais, como Rio e Porto Alegre, não foi muito diferente: o protesto não atraiu pessoas para além das conhecidas organizações políticas e militantes. No âmbito oficial, partidos de oposição protocolaram pedido de impeachment, entregue por Alessandro Molon, ex-petista e atual deputado da Rede (onde a presidenciável Marina Silva volta a dar as caras).
"No meio do terremoto político o Ministro da Fazenda já declarou que fica com ou sem Temer. Pode ser até que a Globo e burguesia vejam nas 'Diretas Já' um meio de eleger um governo que leve adiante as 'reformas' sem problemas de legitimidade e popularidade. De todo modo, o que tem que ficar claro para nós é que essa situação toda nos abriu a oportunidade de transformar a indignação contra um governo impopular em indignação contra as medidas impopulares desse governo. É só aí que a gente tem algo a ganhar", analisou Dimitrios.
Como dito, não demorou para que sua análise se mostrasse certeira. "Só um governo com condições morais e éticas pode levá-lo adiante. Quanto mais rapidamente esse novo governo estiver instalado, de acordo com o que determina a Constituição, tanto melhor. A renúncia é uma decisão unilateral do presidente. Se desejar, não o que é melhor para si, mas para o país, esta acabará sendo a decisão que Michel Temer tomará. É o que os cidadãos de bem esperam dele. Se não o fizer, arrastará o Brasil a uma crise política ainda mais profunda que, ninguém se engane, chegará, contudo, ao mesmo resultado, seja pelo impeachment, seja por denúncia acolhida pelo Supremo Tribunal Federal. O caminho pela frente não será fácil", decretou O Globo.
Para usar o jargão empresarial, recolado na moda pelos setores conservadores da sociedade brasileira, Temer cumpriu um ano de trabalho, não atingiu as metas estabelecidas e agora é descartado. "Nossa pauta precisa ser trabalhada em ao menos quatro pontos: Fora Temer agora, greve geral, anulação de todos os atos deste governo e eleições gerais, também para já", resumiu Virgínia Fontes.
[Fonte: Por Gabriel Brito, da Redação, Correio da cidadania, São Caetano do Sul, 19mai17]
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