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26oct17
Inquérito Civil sobre as causas do acidente com o avião da empresa boliviana LAMIA
Voltar ao topoPRM-CHA-SC-00005973/2017
Ministério Público Federal
Procuradoria da República no Município de Chapecó-SC
Gabinete 2° OfícioInquérito Civil n° 1.33.002.000432/2016-70
Procedimento Investigatório Criminal n° 1.33.002.000075/2017-21DESPACHO
Trata-se de Inquérito Civil (IC) instaurado para apurar as causas do acidente com o avião da empresa boliviana LAMIA (CP2933), ocorrido em território colombiano (próximo à cidade de Medellín), em 29 de novembro de 2016, envolvendo a equipe da Associação Chapecoense de Futebol, cooperando com as investigações em curso nos países vizinhos.
Paralelamente, foi instaurado Procedimento Investigatório Criminal (PIC) para apurar possível envolvimento de brasileiros nos eventos que acabaram resultando no acidente do avião da empresa LAMIA, a ensejar eventual responsabilização por homicídio culposo. Considerando notícias da época sobre possíveis relacionamentos escusos entre uma entidade do futebol e a referida empresa de aviação, foi aventada a hipótese de pagamento de vantagens indevidas para a contratação da empresa LAMIA para as viagens dos jogos da Copa Conmebol.
Inicialmente, foram expedidos ofícios solicitando informações a diversos órgãos e/ou empresas que tivessem de alguma forma ligação ou conhecimento sobre voos envolvendo a empresa boliviana LAMIA, assim como foi solicitado às empresas aéreas AVIANCA, AZUL, GOL e TAM, que informassem se houve alguma solicitação de orçamento, por parte da Associação Chapecoense de Futebol, para que essas empresas realizassem o fretamento de voos para o exterior. Da mesma forma, por meio da Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) da Procuradoria-Geral da República (PGR), foi solicitado auxílio para que as Fiscalías colombiana e boliviana encaminhassem cópias dos documentos e relatórios das investigações em curso referente ao acidente da aeronave da empresa LAMIA, prefixo CP-2933, que transportava a equipe da Associação Chapecoense de Futebol.
Foi recebido, da Associação Chapecoense de Futebol, cópia do contrato e recibo de pagamento referente ao voo fretado que resultou no acidente em 28/11/2016 na cidade de Medellín, na Colômbia (fls. 13-21).
O contrato juntado nas fls. 14-20 tem por objeto a contratação de serviços de transporte aéreo para a realização de dois voos: o primeiro, do aeroporto de Guarulhos/SP até Medellin, no dia 28 de novembro de 2016, e o segundo, de Medellin até o aeroporto Serafin Enoss Bertaso, em Chapecó, no dia 02 de dezembro de 2016. O valor atribuído a esse contrato foi de US$ 130.000,00 (cento e trinta mil dólares), sendo pago metade desse valor no momento da assinatura do contrato. A fatura de US$ 65.000,00 (sessenta e cinco mil dólares) consta na fl. 21.
Foi juntada, na fl. 22, cópia de notícia do Jornal Diário do Iguaçú sobre possível pagamento de indenizações por parte da LAMIA, no montante de US$ 165 mil para cada uma das famílias das vítimas do acidente.
As empresas aéreas encaminharam as informações solicitadas:
a) a Oceanair Linhas Aéreas Ltda noticiou que não houve nenhuma solicitação, de orçamento, por parte da Associação Chapecoense de Futebol, para fretamento de voo para o exterior, nos dois últimos anos (fl. 28);
b) a TAM Linhas Aéreas S. A. informou que, no dia do voo, em 28/11/2016, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) entrou em contato com a empresa para verificar a possibilidade de fretamento para levar a equipe de futebol para a Colômbia. Relatou que, em razão do exíguo tempo para as aprovações necessárias no país de destino, e a alteração da logística necessária para um fretamento de última hora, foi informado à ANAC que não seria possível realizar tal transporte. Porém, não informou o nome da pessoa da ANAC que havia feito o contato noticiado, nem mesmo o tipo de contato realizado, se por telefone, e-mail ou outro meio. Ressaltou que não houve nenhum contato, solicitando fretamento de voos, por parte da Associação Chapecoense de Futebol nos últimos dois anos (fls. 34-46);
c) a Gol Linhas Aéreas S.A. noticiou que localizou 3 (três) pedidos solicitados pela Chapecoense, os quais não foram finalizados: o primeiro foi em 03/09/2015, realizado por intermédio de Fábio Silva (campeonatos@pallastur.com.br) da Pallas Turismo, para cotação de viagem no dia 25/09/2015 com os trajetos: Assunção X Guarulhos ou Assunção X Recife (detalhes da negociação em fls. 81-85); o segundo, em 04/10/2016, realizado por intermédio de Maurício Feijó (mauricio@aerotur.com) da AEROTUR, com consultas para realizar os trajetos de Confins (CNF) X Barranquilha (BAQ), no dia 16/10/2016, e de Barranquilha (BAQ) X Guarulhos (GRU), no dia 20/10/2016. O valor cotado foi de US$ 310.980,58 e não houve evolução nas negociações (detalhes da negociação em fls. 87-89); o terceiro foi em 25/11/2016, por meio de contato realizado pelo Sr. Plínio David de Nês (terraconda@gmail.com), com solicitação de orçamento para realização dos trajetos Guarulhos (GRU) X Medellin (MDE) e Medellin (MDE) X Chapecó (XAP), nos dias 28/11/2016 e 01/12/2016, respectivamente. A companhia aérea informou que o custo desse fretamento seria de US$ 312.743,00 (trezentos e doze mil setecentos e quarenta e três dólares) (mensagens trocadas em fls. 91-93). Também não houve evolução das negociações;
d) a Azul Linhas Aéreas Brasileiras S.A. informou que, em 24 de novembro de 2016, recebeu uma solicitação de cotação para o trecho São Paulo/SP X Chapecó/SC por intermédio dos e-mails chinho@chapecoense.com e 8° decio@wisefin.com.br (de Decio Sebastião Burtet Filho), conforme mensagens anexas à resposta. Na mesma mensagem eletrônica foi solicitada cotação de fretamento para o trecho Chapecó/SC X Medellin/CO e também para Assunção/PY sendo os possíveis destinos nos dias 28 e 29/11/2016, respectivamente. No entanto, como a empresa Azul não possui certificação para realizar esses trechos no exterior, manteve as tratativas somente em relação ao trecho São Paulo/SP X Chapecó, no dia 27/11/2017, o qual foi cancelado pela delegação (fls. 94-102).
A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) informou que, nos últimos 3 (três) anos, constam 3 (três) solicitações de autorização de operações remuneradas para o transporte não regular referente à aeronave CP2933 e apresentou esclarecimentos sobre o funcionamento de cada solicitação. Contudo, diante de algumas dúvidas acerca dessas solicitações, foi enviada nova solicitação à ANAC para que encaminhasse informações que pudessem esclarecer a incongruência em relação aos voos da empresa LAMIA autorizados para o transporte da equipe da seleção argentina de futebol até Belo Horizonte e os voos vetados para transportar o time brasileiro da Chapecoense de Guarulhos até a Colômbia (fls. 104-106 e 158).
O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), em resposta à solicitação de apoio à investigação do MPF, informou que é uma organização militar pertencente ao Comando da Aeronáutica e que promove a investigação de acidentes aeronáuticos para o fim de preveni-los, evitando a recorrência, sem o propósito de determinar a culpa ou a responsabilidade. Destacou a Convenção de Aviação Civil Internacional, da qual o Brasil é signatário, que em seu anexo 13 define os direitos do Representante Acreditado, estando proibidos de divulgar informações sobre o processo de investigação, bem como dos fatos confirmados. Segundo informado por aquele órgão, a divulgação somente é possível se houver a expressa autorização do Estado responsável pela condução da investigação, que nesse caso é a Colômbia. Acrescentou que o não cumprimento desse protocolo pode acarretar o desligamento imediato do Representante Acreditado e no afastamento do Estado | Brasileiro do processo de investigação conduzido pela GRIAA (fls. 107-109). Cópia do Informe Preliminar sobre o acidente aéreo encaminhado pela GRIAA foi remetido em anexo (fls. 110-135) |1| e também foi disponibilizado um investigador (do CENIPA) para colaborar com o MPF (f. 109).
Nas fls. 139/140 consta o depoimento de uma das 6 pessoas sobreviventes no acidente, Sr. Rafael Valmorbida (nome jornalístico "Rafael Henzel"), que relatou ter acompanhado a equipe da Chapecoense em dois voos por ela fretados com a empresa LAMIA, inclusive com a mesma aeronave CP2933. Informou que, na primeira viagem, para o jogo de Barranquilla/CO, quem tratou das contratações foi o Emerson Didomênico (Chinho) e o Érico. Relatou que, no primeiro voo, tiveram a informação inicial de que sairiam do aeroporto de Confins diretamente para a Colômbia, mas que foi informado que a empresa LAMIA estava com dificuldade de autorização para decolagem no Brasil, motivo de a empresa Flyways ter realizado o transporte até Corumbá/MS. Disse que pernoitaram naquela cidade e atravessaram a fronteira de ônibus e partiram do aeroporto de Puerto Suarez/BO até a Colômbia, com escala em Cobija/BO. Informou que, no retorno, a LAMIA partiu da Colômbia até Foz do Iguaçú/PR, no entanto, não recorda se houve escalas. Relatou que a LAMIA havia conseguido autorização para pousar em solo brasileiro, mas como já havia contratado a Flyways para fazer o voo, optou por pousar em Foz do Iguaçú. Em relação ao segundo voo, a informação inicial é de que a LAMIA sairia de Guarulhos, mas que receberam a informação de que a ANAC não havia autorizado a decolagem em solo brasileiro. Então, partiram de Guarulhos/SP, em voo regular com a empresa BOA (Boliviana de Aviación), até Santa Cruz de La Sierra/BO, seguindo de Santa Cruz até a Colômbia com a empresa LAMIA. Desconhece como seria o voo do retorno. Relatou que, sobre a queda do avião, acredita não ter havido nenhum comunicado sobre a situação de emergência. Com relação ao comportamento da tripulação daquela empresa, informou que era mais informal, não havendo informação na partida nem na chegada da aeronave, recordando que havia pessoas da tripulação de pé no momento da decolagem, no voo para Barranquilla.
Na fl. 141, a informação da instauração do Procedimento Investigatório Criminal (PIC), a fim de apurar possíveis aspectos criminais do caso.
O depoimento de outro sobrevivente, o jogador Hélio Hermito Neto, foi juntado inicialmente nos autos daquele procedimento (PIC n° 1.33.002.000075/2017-21), nas fls. 102-103. As informações por ele prestadas em relação aos dois voos conferem com aquelas prestadas pelo outro sobrevivente, tendo relatado o jogador que percebeu que todas as luzes se apagaram e acenderam as luzes de emergência, e que no momento do acidente o único barulho que havia era o vento, como se a aeronave estivesse planando. Questionado sobre eventual comentário, de que alguém ligado a Chapecoense poderia ter recebido comissão para a contratação da empresa LAMIA, disse não ouviu nada a respeito, somente que essa empresa havia apresentado um preço inferior àquelas que operam voos regulares aqui na região. Com relação ao comportamento da tripulação da aeronave, afirmou que, em sua opinião, parecia ser bem profissional, semelhante ao da tripulação das aeronaves de companhias brasileiras que operam voos regulares no país.
O empresário Pablo Dávi, filho de uma das vítimas do acidente aéreo, também prestou depoimento, por ter acompanhado a delegação na viagem anterior à Colômbia, na mesma competição, com a mesma aeronave e o mesmo piloto. Relatou ter conhecimento de que houve cotação com outras empresas para realizar o transporte, mas que a cotação apresentada pela LAMIA era bem inferior às demais. Disse que desconhecia qualquer comentário sobre o recebimento de eventual comissão para a contratação da empresa LAMIA. Com relação à tripulação e à aeronave, disse que a impressão era de que tratava-se de uma empresa organizada, com operação similar àquelas que operam voo regular no Brasil. Disse que sua impressão era de que a empresa LAMIA operava corretamente, tanto que só não embarcou no segundo voo (para Medellín) em virtude de outros compromissos pessoais (fl. 104 do PIC n° 1.33.002.000075/2017-21).
Em despacho de fls. 143-144, foi determinado o encerramento da 8° tramitação do PIC, assim como, que fossem extraídas as fls. 96v até 104, juntando-as nestes autos (IC) e mantendo cópia do que foi extraído nos autos criminais.
Também foi determinado que cópia do informe preliminar recebido do Centro de Investigações e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) fosse encaminhado à Secretaria de Cooperação Internacional para promover a tradução, bem como fosse juntada a gravação da oitiva realizada da Sra. Célia Castedo Monastério, além de outros encaminhamentos (a mídia digital, em CD ROM, foi juntada na fl. 172).
A Sra. Célia Castedo Monastério foi ouvida por meio de videoconferência com a Procuradoria da República de Corumbá/MS. Nessa ocasião, prestou declarações no seguinte sentido:
Disse que prestava serviços à AASANA, uma instituição autônoma que presta serviços de trânsito aéreo, é a administradora autônoma de aeroportos da Bolívia, é uma instituição prestadora somente de serviços de navegação aérea. Ela tinha apenas função de ARO-AIS, de prestar serviços de informação aeronáutica na navegação aérea, com funções específicas de notificação dos serviços para o trânsito aéreo, simplesmente uma oficina de apoio ao trânsito aéreo. Em relação aos fatos ocorridos no acidente aéreo envolvendo a empresa LAMIA, relatou que nesse dia estava prestando serviço e que, por volta das 16 horas, entrou funcionário da LAMIA, Sr. "Alex Quispe", que desempenhava as funções de despachador da empresa aérea LAMIA, apresentando um plano de voo. Disse que realizou a revisão minuciosamente, com observações, algumas importantes e outras nem tanto, mas que, entre elas, a de indicar um segundo aeroporto alternativo, e a observação em relação à autonomia do voo. Afirmou que sua obrigação, de acordo com suas funções, era fazer a revisão da parte superior do plano de voo, que é um trabalho específico de revisão; que na parte inferior estão informações suplementares de autonomia, mas que, segundo ela, não era sua responsabilidade direta. Apresentou uma cópia do plano de voo, o qual está juntado na fl. 145. Relatou que sua função era informar o despachador em caso de observar alguma situação errada/estranha. Disse que a responsabilidade de verificar se o plano de voo está adequado com as normas é única e exclusivamente do despachador da linha aérea ou do piloto ou comandante do avião.
Afirmou que a responsabilidade de verificar/revisar o plano, na parte suplementar, é única e exclusiva do despachador da linha aérea, ou do piloto ou da gerência operativa da linha aérea.
Alegou que, de acordo com suas funções, desempenha as atividades no escritório/gabinete, que em nenhum momento tem obrigação e acesso para ir até o avião ou conversar com o piloto, ou verificar se o piloto e o comandante são os mesmos que aparecem no documento. Afirmou que toda a informação contida no plano de voo é responsabilidade dos inspetores da Direção Geral de Aeronáutica Civil da Bolívia.
Disse que, no aeroporto de Viru Viru, em Santa Cruz de la Sierra, são 4 inspetores que trabalham em 3 turnos, 24 horas por dia, os quais têm a obrigação de revisar a documentação contida no boletim de voo, verificar a tripulação e se toda a informação contida no plano de voo está correta e relacionada com a permissão e autorização da linha aérea. Segundo ela, são eles que realmente fazem a verificação e a inspeção de todas as condições de voo. Afirmou que só transmite a informação contida na primeira parte, parte superior do plano de voo, e transmite os dados nacional e internacionalmente.
Reafirmou que a verificação sobre a existência de algum problema no plano de voo, que os únicos que têm a responsabilidade de verificação da informação contida no plano de voo, e das condições do avião e dos tripulantes, são os inspetores da Direção Geral de Aeronáutica Civil da Bolívia.
Disse que, previamente ao voo, é obrigação da empresa aérea fazer uma solicitação à direção geral de aviação para permitir o voo. Nessa informação está contida toda a informação para conseguir a autorização do voo, e que esse documento não chega até Célia, pois só tramita na Direção Geral de Aeronáutica Civil, que somente depois disso é feito o plano de voo. Que muitas vezes essa informação está correlacionada, mas é a direção que fica com os documentos e os inspetores são os responsáveis por fazer a verificação se os dois documentos estão iguais ou corretos, e que são as únicas instâncias que podem fazer o cancelamento do voo se as informações nos dois documentos não coincidirem.
Afirmou não saber se no caso do voo da chapecoense os inspetores realizaram essa verificação, pois não tem contato com os inspetores, pois eles trabalham na plataforma do aeroporto. Relatou que o despachador da LAMIA disse que toda a informação contida já estava autorizada para a realização do voo.
Disse que, no dia seguinte ao acidente, o comentário de outras pessoas que estavam perto do avião antes da saída é que os inspetores estavam na plataforma e estiveram dentro do avião tirando foto com os jogadores da chapecoense e que deveriam ter feito a verificação; que essa versão de que os inspetores estiveram no avião pode ser confirmada pelas câmaras de segurança que estão no aeroporto, que inclusive já havia pedido as filmagens, mas não foram fornecidas; e que é possível conseguir o nome dos inspetores que estavam trabalhando nesse dia.
Afirmou que os funcionários das duas agências estão proibidas de prestar informações e dados sobre o acidente da LAMIA, por ordem dos Ministros, e que existe um documento - memorando - que determina ser expressamente proibido emitir informação/declaração acerca do acidente.
Reiterou em seu depoimento que tem a obrigação de fazer uma revisão minuciosa e verificar se toda a informação está completa e sem erro, e que no caso do voo da LAMIA fez 5 observações, porque ficou preocupada, pois a autonomia do voo era a mesma que o tempo de voo e também verificou que o despachador não tinha preenchido o nome, somente o número. Disse que fez outras 3 observações de menor importância, que sua obrigação é de assessorar, por isso pediu 3 vezes para fazer a revisão e verificação sobre o aeroporto alternativo e a autonomia de voo, que pediu ao despachador para falar com o piloto e o comandante para mudar a informação, que o despachador disse que estava correto e a decisão era deles de manter a informação contida e estavam autorizados para voar assim e que iriam manter o plano de voo, apesar das observações feitas por ela. Alegou que as observações são repassadas ao despachador, pois é a única pessoa com quem tem contato, e que mesmo sem autonomia para verificar as informações em relação à autonomia do voo, ainda assim fez a observação. Relatou também que as observações somente são feitas quando a informação não é coerente, que os comandantes e despachadores sempre aceitam as observações feitas, realizando as alterações, mas que, neste caso, as observações feitas não foram aceitas, e que três vezes o despachador retornou dizendo que iriam viajar desse jeito, sem as alterações observadas. Quanto à quantidade de combustível e à autonomia do voo, afirmou que é responsabilidade dos inspetores irem até o avião para fazer a verificação da informação e não permitir a saída do voo nessas condições.
Disse que somente o despachador foi informado das observações e que, no dia seguinte, fez um informe ao superior, conforme exigências legais. Afirmou que nunca havia feito revisão de plano de voo da empresa LAMIA. Disse que tem havido na Bolívia outros voos com a autonomia igual, citando Cochabamba e Rio Negro, e que houve situações iguais em outras empresas, mas que sempre era feita a correção de acordo com a observação apresentada.
Alegou não ter conhecimento sobre atos irregulares, que os inspetores tenham recebido propina para autorizar voos irregulares dessa maneira, mas que ouviu, após o acidente, que existem muitas irregularidades, porém, todas as informações estão sendo ocultadas, mencionando que a aeronave não tinha condições de realizar voos internacionais, mas, com a troca da direção geral, o registro foi autorizado.
A Sra. Célia autorizou que seu depoimento seja encaminhado para as autoridades bolivianas e colombianas. Por fim, ficou acordado que seria encaminhada a esta Procuradoria da República toda a legislação, manuais e documentação em posse da Sra. Célia, que, segundo ela, comprovariam que ela não tinha nenhuma responsabilidade para impedir o voo [Esses documentos foram recebidos e constam como anexo destes autos].
Desse depoimento, percebe-se que a agência à qual estava vinculada a Sra. Célia (AASANA) era responsável pelo serviço de navegação aérea na Bolívia, em princípio, função semelhante àquela desempenhada pelo Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) no Brasil |2| e Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO) |3|. Já a Direção Geral de Aeronáutica Civil (DGAC) teria atribuições similares àquelas conferidas no Brasil à Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) |4|.
Ademais, resta evidente a omissão da Sra. Célia, agente público que tomou conhecimento de flagrante irregularidade, que colocava em risco a segurança do voo e a vida dos passageiros, e não tomou nenhuma atitude efetiva diante da resistência da empresa LAMIA em realizar as alterações necessárias.
Por outro lado, o quadro traçado pela Sra. Célia mostra não apenas a sua falha individual, mas também uma grande fragilidade dos controles realizados pelas agências bolivianas de aviação civil em relação aos voos fretados autorizados naquele país, que, segundo denota claramente o voo para o transporte da equipe da Chapecoense, estavam sendo autorizados em contrariedade com as exigências da legislação - conforme restará evidenciado da análise realizado pelo Major designado pelo CENIPA para auxiliar nesta apuração, abaixo descrita - e sem efetivos controles posteriores à autorização, que pudessem impedir a ocorrência de voos, não apenas claramente irregulares, mas que flagrantemente colocavam em risco a segurança (e a vida) dos passageiros.
Supreendentemene, contudo, verificou-se indícios de que tais situações possam estar ocorrendo também em nosso país, conforme indica a análise de documentos recebidos da ANAC sobre as solicitações de voos da empresa LAMIA no Brasil, situação descrita ao longo deste despacho.
Nesse sentido, em resposta ao pedido de esclarecimentos sobre a incongruência verificada nas solicitações de voos da empresa LAMIA, a ANAC relatou que, na solicitação LMI-2016012143, houve uma renovação de solicitação por parte da LAMIA, a qual recebeu a seqüencial 001, mas que o destino e a gu equipe eram diferentes, e, portanto, houve nova justificativa. Ou seja, a seqüencial LMI-201601243-000 tratava de transporte de jogadores do time da Chapecoense, para disputar as semifinais da Copa Sul-Americana, enquanto as sequenciais 001-002-003, trataram de transporte de jogadores da seleção da Argentina, para disputar as eliminatórias da Copa do Mundo na Rússia. Noticiou que a autorização 81 se deu por se tratar de voo originado da Argentina. Informou que o voo que trouxe os jogadores argentinos teve início na Bolívia, mas embarcou passageiros em território argentino. Nesse caso, segundo a ANAC, quem poderia apresentar óbice à realização do voo seria a Argentina (fls. 164-165).
Em relação à outra solicitação LMI-2016013163, para o transporte do time da Chapecoense para a Colômbia, relatou que a LAMIA pretendia sair da Bolívia e ingressar em solo brasileiro, para embarcar passageiros no Brasil e transportá-los para a Colômbia. Nesse caso, o transporte de passageiros originava-se em território brasileiro, cabendo então ao Brasil deferir ou não a realização do voo. Assim, também segundo a ANAC, o voo não envolvia empresa de nacionalidade do país de origem, nem de destino, motivo de ter sido negado.
Esse esclarecimento e o anterior já foram objeto de análise no despacho de fl. 166, no qual restaram consignados os seguintes questionamentos - essas indagações foram encaminhadas para análise do militar designado pelo CENIPA para auxiliar nesta apuração:
Cumpre destacar que, em que pese os esclarecimentos da ANAC - ao menos nos parece -, permanece a incongruência entre o tratamento dispensado por aquela Agência em relação aos requerimentos formulados para o transporte da equipe da Chapecoense e da Seleção Argentina. Destaco, nesse sentido, que esse último documento recebido da Agência afirma tratar-se de voo não-regular e, a seguir, registra que seria da autoridade argentina a competência para "autorizar ou não a entrada de empresa estrangeira em seu território para comercialização de assentos (?!?!) para embarque de passageiros em seu país". Ademais, se a autorização ou não do voo era atribuição exclusiva da autoridade argentina, por que a necessidade de requerimento à ANAC? Por outro lado, esse voo envolvia, por óbvio, o retorno a Argentina, com a mesma aeronave, de um terceiro país. E, ainda, por que havia uma manifestação pela denegação da autorização, que, ao final, acabou sendo revertida ao argumento de "excepcionalidade"? Além disso, a irregularidade apontada para a não autorização do voo da Chapecoense que partia do Brasil - aeronave de nacionalidade distinta daquela dos países de origem e destino do voo -parece ser exatamente a mesma do voo que partiu da Argentina. Por fim, as informações veiculadas sobre a duração desse voo desde e até Buenos Aires denotam que eles também teriam ocorrido fora das normas de aviação.
Analisando as solicitações, verifica-se ainda que em todas elas consta que existia um seguro (possivelmente da aeronave), com número da apólice e prazo de validade (fls. 147-155):
N° da apólice: 2000046
Validade: 10/04/2016 a 10/04/2017
Emitido por Bisa Seguros Y Reaseguros S.A.A íntegra dos autos, cópia da documentação recebida da Sra. Célia Castedo Monastério e gravação da videoconferência realizada foram encaminhados para o expert do CENIPA indicado para auxiliar na investigação, para que procedesse à análise dos documentos e apresentasse as considerações que julgasse pertinentes (f. 166).
A Secretaria de Cooperação Internacional remeteu o Relatório Preliminar do Acidente, apresentado pelo Grupo de Investigação de Acidentes Aéreos - GRIAA, devidamente traduzido, o qual foi juntado nas fls. 174-187. Nesse relatório consta que todas as investigações realizadas possuem como único objetivo a melhora da segurança aérea e não tem a intenção de estabelecer culpa ou responsabilidade. Desse documento, cabe destacar os seguintes trechos:
1. História do voo: A aeronave fez a decolagem de Santa Cruz às 22:18. Segundo declarações de um dos sobreviventes, haveria um reabastecimento no aeroporto de Cobija, localizado próximo à fronteira Bolívia/Brasil. Contudo, esse aeroporto normalmente só opera durante o dia e, em 28 de novembro de 2016, encerrou as operações às 22:43 (portanto, não haveria como realizar o reabastecimento da aeronave nesse aeródromo). Segundo dados da aeronave, a partir de 2:55:41 de voo, todos os motores se apagaram e o Registrador de Dados de Voo (FDR) deixou de gravar (a aeronave teria, então, planado por mais de 3 minutos até o acidente);
2. Motores: na inspeção de campo dos motores n° 1, 2 e 4 não houve e evidência de incêndio nem de falha. Não foi possível fazer o exame o minucioso do motor de n° 3, pois estava suportado por uma árvore, em posição considerada instável;
3. Combustível: "Com exceção de um leve cheiro de combustível na localização dos tanques de combustível, não existia evidência aparente de combustível em toda a zona do local do acidente" (p. 185);
4. Fogo: "não houve evidência de fogo" (p. 185);
5. Peso e balanço estimado: evidências colhidas na investigação apontam um peso mínimo de decolagem de 42.148 kg, quando o peso de decolagem máximo, permitido para a aeronave, registrado em seu manual de voo, é de 41.800 kg;
6. Plano de voo: O tempo total de voo e a autonomia foram registrados no plano de voo como 4 horas e 22 minutos (ou seja, em princípio, não havia qualquer folga de combustível). Sobre esse ponto, registra o Relatório Preliminar o seguinte trecho relevante (p. 186v):
O escritório do plano de voo solicitou que esse plano de voo apresentado fosse modificado, e apresentado novamente devido às seguintes inconsistências:
- A rota não incluía uma saída estândar por instrumentos (SID) desde Santa Cruz;
- Não estava registrado no plano de voo um segundo aeroporto alternativo;
- O tempo de voo estimado na rota (EET) correspondia ao mesmo tempo de autonomia;
- O despachante só tinha assinado o plano de voo, mas não tinha registrado seu nome.
O despachante se recusou a alterar os detalhes no plano de voo, e explicou que, em relação ao mesmo tempo do EET e a autonomia, o tempo de voo real seria inferior ao do plano de voo. O escritório do plano de voo apresentou o plano de voo por volta de 20:30 h, mas enviou um relatório ao escritório regional da DGAC dando detalhes do incidente, afirmando que sob os regulamentos, o escritório não tinha poder para rejeitar o pedido.
7. Outras ações: o Relatório registra a colaboração da DGAC e da Fiscalía boliviana nas investigações. Contudo, registra que "a instituição AASANA não disponibilizou nem forneceu a informação solicitada". Conclui, de forma preliminar, que (p. 186v):
A evidência disponível para a investigação na hora da emissão desse informe preliminar não identificou falhas nos sistemas da aeronave que pudessem ter causado ou contribuído para o acidente. Contudo, a evidência disponível é consistente com a falta de combustível no avião.
Nas fls. 188-189 constam informações acerca de nova consulta realizada junto a Secretaria de Cooperação Internacional (em maio de 2017), sobre retorno das informações solicitadas aos países da Colômbia e Bolívia, sem qualquer avanço.
Juntou-se cópia de notícia veiculada nas redes sociais, de que a empresa seguradora contratada pela LAMIA não possuía apólice em vigor no acidente aéreo. Consta na notícia que a empresa Bisa, seguradora contratada pela LAMIA, alegou judicialmente que a apólice não estava em vigor por falta de pagamento. Também consta informação sobre a existência de outra apólice renovada em abril de 2016, mas que a Colômbia não estava entre os países cobertos pelo seguro, bem como que a atribuição para fiscalizar e verificar a validade dos seguros seria da Agência Nacional de Aviação Civil (fls. 190193). Registre-se que, no documento de fl. 13, recebido da Associação Chapecoense, consta informação sobre possível seguro com a empresa Tokio Marine, no valor de R$ 25 milhões de dólares americanos.
Nas fls. 131-133, informações (extraoficiais) de que a empresa LAMIA teria feito quatro voos no limite da capacidade (de combustível) da aeronave nos últimos seis meses. Além disso, dois voos realizados para transporte da seleção argentina de futebol, para o jogo com a seleção brasileira em Belo Horizonte/BR, também estariam próximo desse limite - registre-se que esses são justamente os voos que foram autorizados pela ANAC de forma, em princípio, irregular.
Foram expedidos ofícios à empresa BOA e à direção da Associação Chapecoense de Futebol para que fossem encaminhados todos os documentos existentes que comprovassem a contratação para o transporte da equipe.
Em 21 de junho de 2017, compareceu espontaneamente na Procuradoria da República em Chapecó a deputada boliviana Erika Justiniano Negrete, que entregou cópia de requerimentos por ela formulados a autoridades bolivianas, devido à demora na conclusão da investigação, os quais foram juntados nas fls. 196-205.
Em resposta, a empresa BOA restringiu-se a encaminhar cópias do despacho operacional do voo, a lista de passageiros enviadas pelo clube e a lista daqueles que embarcaram no voo regular de São Paulo(GRU) para Santa Cruz de La Sierra (VVI). Cópia do depósito bancário efetuado pela Associação Chapecoense de futebol, pago em 28/11/2016, no valor de R$ 78.087,55, também foi encaminhado (fls. 207-227). Naquela data, o dólar estava cotado em a R$ 3,39, o que resulta em aproximadamente US$ 23.000,00.
A Associação Chapecoense de Futebol também encaminhou cópia do contrato de fretamento da empresa LAMIA Corporation S.R.I., no qual solicitou restrição quanto a sua publicização, conforme item de confidencialidade. Acrescentou que não houve intermediações, ou seja, o contrato foi firmado diretamente entre aquela Associação e a empresa aérea, e apresentou cópia do recibo do quanto foi pago (fl. 228-236).
Nesse ponto, é importante registrar que a Associação já havia encaminhado, por meio da mesma pessoa, uma outra cópia do referido contrato, diferente deste último apresentado.
Passa-se a análise do quanto foi observado nos dois contratos:
a) na cópia do primeiro contrato encaminhado consta que foi ele firmado entre a empresa LAMIA Corporation S.R.L, denominada "El fletante" e a Associação Chapecoense de Futebol, denominada "El fletador". Na cópia do segundo contrato aparece a empresa LAMIA Corporation S.R.L. como "El Fletante", a empresa Kite Air Corporation Limited como "La Proprietária" e a Associação Chapecoense de Futebol como "El Fletador";
b) no custo do serviço (item 3), o primeiro contrato registra um custo de US$ 130.000,00, com 9 tripulantes e estadia de 5 dias, de 28 de novembro a 02 de dezembro de 2016. No segundo contrato, o custo passa a ser de US$ 140.000,00, com 9 tripulantes e estadia de 6 dias, de 27 de novembro a 02 de dezembro de 2016;
c) o pagamento (item 4.) foi estabelecido da seguinte forma:
Contrato recebido em 15/12/2016 Contrato recebido em 05/07/2017 US$ 65.000,00 em 25/11/2016
US$ 32.500,00 aeronave de São Paulo
US$ 32.500,00 demais gastosUS$ 70.000,00 em 25/11/2016
US$ 35.000,00 aeronave de São Paulo
US$ 35.000,00 demais gastosTransferência de El Fletante para as seguintes contas: 1) INTERMEDIARY BANK (BANCO INTERMEDIÁRIO)
/JPMorgan Chase Bank N.A.
New York - USA
ABA 021000021
SWIFT: CHASUS332) BENEFICIARY'S BANK (BANCO BENEFICIÁRIO)
/Banco Bisa S.A.
Andress: Avenida 16 de Julio El Prado Nro. 1628 La Paz, Bolívia
Swift o BIC: Banibolx3) BENEFICIARY CUSTOMER (CLIENTE BENEFICIÁRIO)
Cuenta Del beneficiário: 4266322017 LAMIA Corporation S.R.LTransferência para a conta da proprietária: 1) KITE AJR CORPORATION LIMITED
Andress: 139 Hennessy Road, Wanchai, HK
Bank: HANG SENG BANK HKHH
Account n° 227483930-883d) Dos seguros (item 8): nos dois contratos recebidos consta a informação da existência de seguro, com um limite máximo de US$ 50.000.000,00, registrando que o objeto da cobertura é "valido para todo el mundo";
e) em relação ao domicílio:
Contrato recebido em 15/12/2016 Contrato recebido em 05/07/2017 a) LAMIA Corporation S.L.R. "El Fletante" Calle Paragua los Socoris n° 17 Santa Cruz de La Sierra, Bolívia. Gustavo Vargas Teléfono +58 4147075494, e-mail: guriteca@yahoo.es b) Associação Chapecoense de Futebol "El Fletador" Rua Clevelândia 9087-E, centro, Chapecó/SC, CEP: 89.801-561, Santa Catarina, Brasil, e-mail: chinho@chapecoense.com
a) LAMIA Corporation S.L.R. "El Fletante" Calle Paragua los Socoris n° 17 Santa Cruz de La Sierra, Bolívia. Gustavo Vargas Teléfono +58 4147075494, e-mail: guriteca@yahoo.es b) Kite Air Corporacion Limited: 139 Henessy Road, Wanchai, HK. Loredana Albacete Di Bartolomeo Teléfono +584147471021. E-mail: loredana.albacete@gmail.com
c) Associação Chapecoense de Futebol "El Fletador" Rua Clevelândia 9087-E, centro, Chapecó/SC, CEP: 89.801-561, Santa Catarina, Brasil, e-mail: chinho@chapecoense.com
f) representantes legais:
Contrato recebido em 15/12/2016 Contrato recebido em 05/07/2017 - El Fletante: Gustavo Vargas Gamboa;
- El Fletador: Sandro Luijz Palla Oro- El Fletante: Gustavo Vargas Gamboa;
- La Proprietaria: Loredana Albacete Di Bartolomeo;
- El Fletador: Sandro Luijz Palla Oro.g) a data dos contratos é a mesma;
h) as assinaturas: o primeiro está assinado somente pela LAMIA, em Santa Cruz de La Sierra; o segundo pela LAMIA e também pela Kite Ar Corp Ltd., em Caracas.
Foram solicitadas novamente informações sobre o andamento do pedido de cooperação internacional no caso LAMIA. Em resposta, em 20/07/2017, foi recebida a informação de que as autoridades bolivianas restituíram o pedido (fl. 250).
Da análise dos documentos encaminhados ao expert do CENIPA, foram recebidas as seguintes observações (fls. 242-246):
a) o registro de solicitação de saída da Bolívia DTA-REG-004 deve conter a especificação da autonomia da aeronave e também o tempo de voo estimado em rota, sugerindo o perito requisitar à autoridade boliviana quais os dados foram preenchidos;
b) o oficial de ARO-AIS possui o dever de revisar cuidadosamente todas as informações do plano de voo, assegurando o correto preenchimento pela tripulação, mas não esclarece se o plano de voo poderia ser recusado em caso de não preenchimento adequado;
c) o comandante tem a obrigação de assegurar uma operação da aeronave com segurança;
d) o piloto tem responsabilidades em relação às medidas prévias, como o cálculo do combustível; o combustível deve ser suficiente para completar o voo sem perigo; no caso de voos por instrumentos, quando se fizer necessário um aeródromo de alternativa (como era o caso do voo da LAMIA), o combustível deve ser suficiente para se voar até o aeroporto de destino, seguir para o aeroporto de alternativa e ainda dispor de uma reserva de 45 minutos de voo em altitude de cruzeiro (para as aeronaves com motores a turbina esse tempo é de 30 minutos);
e) a aceitação dos planos de voo é feito pelo Serviço de Tráfego Aéreo (ARO-AIS), o que somente pode ocorrer após verificação de todos os dados preenchidos, ficando entendido que poderá ser recusado até a correção dos dados.
Apresentou, então, as seguintes conclusões:
a. A aeronave da LAMIA não possuía combustível suficiente para realizar o voo entre SLVR e SKRG, uma vez que a autonomia declarada pela tripulação era igual ao tempo planejado em rota, não levando em consideração o consumo adicional de combustível para contingências em voo (desvios, esperas, etc), prosseguir para o aeródromo de alternativa (em caso de impossibilidade de pousar em SKRG) e voar 30 (trinta) minutos conforme prevê o RAB 121.
b. O plano de voo da LAMIA foi preenchido pelo despachante e assinado pelo comandante da aeronave, que por sua vez, assumiu a responsabilidade de decolar com menos combustível que o previsto em planejamento.
c. O plano de voo foi apresentado nas dependências da ARO-AIS e, mesmo após a funcionária, Sra. Celia Castedo Monasterio, ter realizado cinco observações a serem modificadas/preenchidas no plano de voo, dentre elas a autonomia e aeródromo de alternativa, o despachante confirmou que o plano de voo estava correto e que as informações eram fidedignas.
d. A Sra. Celia Castedo Monasterio aceitou o plano de voo da aeronave da LAMIA mesmo sabendo que as informações contidas nele não estavam em conformidade com os regulamentos que regem a Aviação Civil na Bolívia.
e. Em um de seus depoimentos, a Sra. Celia Castedo Monasterio informa que dentre todos os dados preenchidos no plano de voo, apenas as informações contidas na parte superior do formulário (IDENTIFIAÇÃO DA AERONAVE, REGRAS DE VOO E TIPO DE VOO, NÚMERO E TIPO DE â AERONAVE, CATEGORIA DA ESTEIRA DE TURBULÊNCIA, EQUIPAMENTOS, AERÓDROMO DE SAÍDA, HORA PREVISTA DE CALÇOS FORA, VELOCIDADE DE CRUZEIRO, NÍVEL DE CRUZEIRO ROTA, AERÓDROMO DE DESTINO E TEMPO EM ROTA), são transmitidos ao "Trânsito Aéreo". Os demais dados contidos na parte inferior do plano de voo, conhecido como informações suplementares (AERÓDROMO DE ALTERNATIVA, AUTONOMIA, NÚMERO TOTAL DE PESSOAS A BORDO, EQUIPAMENTOS DE EMERGÊNCIA E SOBREVIVÊNCIA E OUTROS DADOS) são transmitidos apenas em caso de busca e salvamento (em caso de acidente). Desta forma, essas informações suplementares que foram preenchidas de forma incorreta e aceitas pela operadora ARO-AIS não chegaram ao conhecimento de demais setores do controle de tráfego, impossibilitando que outras pessoas pudessem interferir na autorização do voo da LAMIA.
f. Verificou-se ainda que, durante o preenchimento do plano de voo, no campo POB (people on bord), foi preenchido o termo TBN. Este termo é utilizado quando não se sabe corretamente a quantidade de pessoas que estarão a bordo da aeronave no momento do preenchimento do plano de voo. Nesse caso, é de praxe que os controladores questionem, antes da decolagem da aeronave, a quantidade de pessoas a bordo do avião, autonomia de voo e aeródromo de alternativa. Esse questionamento não consta nas transcrições das comunicações entre a torre de controle de Viru-Viru e a aeronave da LAMIA.
Posteriormente também foram recebidas as observações em relação ao ofício da ANAC, concordando o expert de que permanece a incongruência de autorizações em relação ao voo da Chapecoense e da Seleção da Argentina, pois nos dois voos houve a contratação de uma empresa aérea de um terceiro país, infringindo a 7ª Liberdade do Ar. Acrescenta que possivelmente tenha sido esse o motivo de a ANAC ter recebido a solicitação, mas que, independentemente da decisão tomada e da possível evidência de não reciprocidade, cabia à ANAC autorizar ou não a realização do voo. Ao final, mencionou que não verifica correlação entre as decisões tomadas pela ANAC b a e o acidente com a LAMIA, pois os transtornos causados pela não autorização gu podem e devem ser gerenciados pela empresa aérea (247-248).
Conforme despacho constante nas fls. 237-238, foi determinada a expedição de ofício à empresa BOA (Boliviana de Aviación), questionando de que forma foi realizada a contratação dos serviços de transporte aéreo, devendo ser encaminhada documentação que comprovasse a negociação realizada.
No final de agosto deste ano, foram juntados os documentos encaminhados pela Secretaria de Cooperação Internacional, recebidos das autoridades bolivianas (fls. 307-372). A quase totalidade dessa documentação refere-se à tramitação do pedido de cooperação jurídica internacional perante as autoridades bolivianas. A única documentação relativa ao acidente é um e-mail juntado em f. 366, enviado pela Sra. Célia Monasterio, na tarde do dia seguinte ao acidente, "REF: INFORME RECEPCION FPL LMI2399", com o registro da tramitação e dos questionamentos sobre o plano de voo da empresa LAMIA.
Nesse ponto cabe registrar que nada - absolutamente nada - da documentação solicitada pelo MPF (conforme Despacho de f. 6 e Formulário de Auxílio Jurídico em Matéria Civil de f. 25) foi encaminhada pelas autoridades bolivianas, em que pese toda disposição de colaboração inicialmente externada na reunião realizada em dezembro de 2016, na cidade de Santa Cruz de La Sierra, ocasião em que inclusive foi possível constatar que parte dos documentos e informações solicitadas já estavam em poder da Fiscalía daquele país.
Tendo em vista as solicitações verbais, foi agendado o atendimento ís de familiares das vítimas. Os termos de declaração da Sra. Fernanda Folle Covatti e Dhayane Nicola Palaoro Vicenzi e os respectivos áudios foram juntados nas fls. 255-306. O termo de declaração de Denise Lemes Burtet e Edemar de Marco constam nas fls 379-407. Na ocasião ainda foi realizada a oitiva do advogado Luiz Antonio Palaoro, cujo termo consta na fl.408 e o áudio em fl. 410.
Mensagens eletrônicas recebidas posteriormente da Sra. Denise, esposa da vítima Decio, foram juntadas nas fls. 413-420. Nessas mensagens, entre outras: são tratadas as cotações de voos com a empresa azul para transporte dos jogadores de Chapecó/Porto Alegre; formas de pagamento com Loredana Albacete, em que a vítima Décio Burtet questiona se o depósito deve ser feito diretamente em sua conta ou em conta na Espanha; solicitação de US$ 50.000,00 ao Sr. Angelo Lugo e a diferença na conta da Espanha (e-mail de 04/09/2017 - fl.414); outras tratativas com Eduardo Escaleira (Chapman-Freeborn); mensagem de 04/09/2017, sobre a viagem a Barranquilla, em que são apresentadas 3 alternativas de planos de voo.
As declarações prestadas e os e-mails e mensagens entregues pelos familiares de dirigentes ouvidos corroboram a constatação de que, segundo indicam os elementos colhidos na investigação, a escolha da empresa LAMIA para realização dos voos para os jogos na Colômbia ocorreu em virtude do menor valor cobrado por essa empresa, não se vislumbrando elementos que indiquem que tenha havido qualquer pagamento de valor indevido ou outro interesse escuso para que essa contratação ocorresse. Nesse sentido, conforme acima descrito, houve solicitação de cotação de preço com outras companhias aéreas, que, ou não poderiam realizar o voo solicitado, ou apresentaram cotação superior à da empresa LAMIA |5|. Cabe registrar, ainda, que, para os demais jogos no exterior da Copa Sul-Americana, os voos da equipe da Chapecoense foram realizados por outras companhias aéreas. Ademais, a análise dos e-mail trocados com a empresa LAMIA mostram que todas as tratativas foram feitas diretamente com os próprios dirigentes da Associação Chapecoense - e não por intermediários -, todos eles vitimados no acidente aéreo. Também não se vislumbrou, nessas tratativas, qualquer ingerência ou interferência indevida de algum dirigente de entidade ligada ao futebol. Por fim, não se vislumbra qualquer conduta negligente ou imprudente por parte dos dirigentes da Chapecoense que efetivaram a contratação da empresa LAMIA, pois, conforme afirmado por sobreviventes do acidente e outras pessoas ouvidas, a operação da companhia boliviana parecia semelhante à de qualquer outra empresa brasileira que opera voos regulares no país. Além disso, necessário destacar que a própria seleção argentina de futebol havia realizado voos recentes com aquela empresa, não havendo assim como perceber o risco que representava voar com a companhia boliviana.
Contudo, chama a atenção em mensagens analisadas, referências a possíveis ingerências junto à ANAC para liberação dos voos da empresa LAMIA no Brasil. Nesse sentido a mensagem de f. 262, em que se afirma que "estou no aguardo do Erico se pronunciar sobre a ligação do prefeito para anac" e, mais adiante, "Enquanto isso estamos trabalhando em outras frentes", "Com contatos de amigos (seleção brasileira) que possam nos colocar em contato com alguém de peso". Ao final, conclui: "Burocracia interna da anac. Acreditamos que força política possa ser importante". Considerando que -ao contrário do que ocorreu com os voos da seleção argentina de futebol, em condições similares - o voo da Chapecoense não foi autorizado, conclui-se que os dirigentes da equipe catarinense não conseguiram "alguém de peso" que pudesse interferir junto à ANAC e liberar o voo, em relação ao qual também havia clara manifestação técnica contrária à sua aprovação.
Assim, se por um lado a negativa de autorização dos voos da empresa LAMIA para a Chapecoense ocorreu a partir de correta análise técnica, resta apurar os motivos que levaram à autorização dos voos realizados pela mesma empresa para a seleção argentina de futebol, também com manifestação técnica contrária, mas que, ao final, acabaram sendo autorizados pela ANAC (f. 150), sob o seguinte argumento:
Considerando que a presente solicitação trata da seleção argentina para jogo de futebol relacionado às Eliminatórias da Copa do Mundo que possui elevado interesse público no Brasil; considerando que se trata de uma operação de fretamento sem venda de passagem o que não afeta interesse comercial direto de empresas brasileiras; considerando que a operação ocorrerá em duas datas específicas; retifico o parecer da GOPE, por entender a excepcionalidade da operação. [negritei e sublinhei]
Assim, diante da decisão diametralmente oposta em relação aos voos da seleção argentina de futebol, a partir de uma alegada "excepcionalidade" do caso - em que pese ser em todo similar às solicitações de autorização de voos da Chapecoense - evidencia-se a necessidade de encaminhamento de cópia dos autos à Procuradoria da República no Distrito Federal - unidade com atribuição para tanto - a fim de que adote as medidas que entenda cabíveis com relação a possível ocorrência de crime de prevaricação e/ou ato de improbidade administrativa por parte dos responsáveis pela autorização dos voos da empresa LAMIA para transporte da seleção argentina de futebol.
Esses e-mails também revelam que as tratativas com a empresa LAMIA ocorreram com a Sra. Loredana Albacete (por exemplo, documento de f. 264), mesma pessoa que assina o segundo contrato com a LAMIA encaminhado pela Associação Chapecoense, a denotar a verossimilhança das suspeitas noticiadas pela imprensa, de que os verdadeiros proprietários dessa companhia aérea possam não ser os bolivianos que figuram em seus atos constitutivos. Esse fato, contudo, embora relevante sobre outros aspectos, em princípio, não guarda pertinência com a presente apuração.
A Associação Chapecoense de Futebol encaminhou cópia de mensagem eletrônica trocada entre funcionário da Chapecoense e o piloto proprietário da LAMIA - fls. 421-422. A mensagem foi encaminhada pelo piloto Micky Quiroga, mencionando o preço do voo de Chapecó a Medellim, em US$ 135.000. A resposta de "Chinho" informa que as tratativas de negociação ficaram por conta de Decio.
Em despacho, foi determinado oficiar os aeroportos com passagem da aeronave da empresa aérea boliviana LAMIA, solicitando cópia de toda a documentação recebida dessa empresa, quando da passagem de sua aeronave pelo aeródromo. Também foi solicitada à ANAC o envio de toda documentação relativa a voos da empresa LAMIA no Brasil (fl. 423). As informações solicitadas à ANAC, não foram recebidas até o presente momento.
A empresa BOA informou que não houve contratação expressa para atender o grupo da Chapecoense, que a venda foi realizada diretamente no dia do voo e que o pagamento foi realizado por meio de transferência bancária da Associação Chapecoense, por meio de TED (fls. 429-430).
O Major designado pelo CENIPA encaminhou mensagem eletrônica com as informações solicitadas e, segundo seu entendimento, mencionou que a aeronave provavelmente seria de propriedade da empresa KITE AIR CORP LIMITED e que a LAMIA seria o operador do avião. Informou ser comum no Brasil a ANAC emitir certificados de aeronavegabilidade com operador especificado diferente do proprietário, o que ocorre quando a aeronave é arrendada por um operador ou adquirida por meio de "leasing". Sugere verificar a existência de contrato de "leasing" e também verificar junto a ANAC se as legislações brasileiras em relação a isso aplicam-se também no exterior, em caso de o acidente envolver cidadãos brasileiros, ou se nesses casos incidem outras legislações. Por fim, informou que não possui conhecimento técnico sobre exigência da ANAC de apresentação das apólices de seguro e quem as analisa, recomendando que a ANAC seja consultada referente aos assuntos mais específicos de regulação (fl. 431).
A Associação Chapecoense de Futebol encaminhou cópia da apólice de seguro do voo fretado e informou que esse documento foi disponibilizado por e-mails a todos os familiares das vítimas (fls.433/538).
O Aeroporto Internacional de Belo Horizonte relatou que os pedidos para realização de voos charter internacional de passageiros é efetuado diretamente pela empresa de transporte aéreo à ANAC e que, em se tratando de empresa estrangeira, a solicitação deve ser feita pelo representante legal com domicílio em território nacional, através do sistema SIAVANAC - Sistema de Emissão e Controle de Autorização de Voo da Agência Nacional de Aviação Civil. Informou que todos os documentos referentes à aeronave, operador, piloto de comando, objetivo de voo e rota, são enviados à ANAC, por meio do sistema mencionado. Disse que a responsabilidade em relação ao plano de voo e gu autorização de pouso e decolagem é do DECEA, portanto, no caso do voo LMI2933, que transportou a seleção argentina de futebol, coube à operadora do aeroporto a alocação do voo previamente autorizado pela ANAC, com a indicação do pátio para o desembarque e embarque de passageiros e a cobrança das tarifas aeroportuárias dos serviços prestados. Nesse sentido, a representante da 8,1 empresa aérea LAMIA, Martel Assessoria e Consultoria Aeronáutica Ltda, efetuou o pedido de slot, com a solicitação para reservar a infraestrutura do aeroporto (fls. 542/560).
O Aeroporto de Brasília noticiou que, no dia 05/10/2016, a aeronave com prefixo CP 2933 efetuou o pouso sem informar oficialmente o operador aeroportuário e sem ter o ground handling contratado, procedimento imprescindível para que seja verificada a disponibilidade de infraestrutura para atender a demanda. Relatou que somente tomou conhecimento da operação quando o Centro de Gerenciamento da Navegação Aérea confirmou que a aeronave havia decolado às 11h49 com destino a Brasília.
O Aeroporto de Natal encaminhou a documentação em posse daquela concessionária aeroportuária, especificamente cópias das despesas relativas às tarifas, serviços prestados e nota fiscal emitida (fls. 568-575).
Finalmente, em 9 de outubro deste ano, foi recebida cópia integral dos documentos/informes do pedido de cooperação jurídica das investigações e diligências realizadas pelas autoridades colombianas, juntadas num CD na fl. 562, num total de 2.896 páginas. Constam fichas clínicas dos sobreviventes, laudos cadavéricos das vítimas, depoimentos, cópia do seguro da aeronave, relação manuscrita de voos com diversos times de futebol nos meses de agosto e setembro de 2016 (fls. 2413-2416) e investigação no enfoque da ocorrência de delito de homicídio culposo, art. 103 do Código Penal (colombiano) (p. 230, 2417 e 2451).
Esse o breve relatório de todo o quanto apurado neste procedimento.
Cumpre esclarecer, uma vez mais, que o objeto inicial destes autos era apurar as causas do acidente com o avião da empresa boliviana LAMIA, ocorrido em território colombiano, envolvendo a equipe da Associação Chapecoense de Futebol, cooperando com as investigações em curso nos países vizinhos. Posteriormente, o objeto foi ampliado, com vistas a apurar eventuais condutas de brasileiros que pudessem ter contribuído para o evento danoso, que resultou, em tese, no homicídio culposo de dezenas de pessoas.
Dessa forma, em relação às causas do acidente aéreo, embora a análise conduzida pelo Grupo de Investigação de Acidentes Aéreos (GRIAA) ainda não tenha sido concluída, a conclusão é - em que pese inaceitável - bastante simples e, de certa forma, já esperada: todos os elementos apontam para a falta de combustível, como a provável causa principal desse trágico acidente.
Dessa forma, do quanto foi apurado nestes autos, a partir dos depoimentos colhidos, das informações prestadas pelas empresas aéreas, das mensagens, e-mails e demais documentos juntados aos autos, conclui-se que: o tempo foi muito exíguo para a contratação da empresa de transporte aéreo; houve pesquisa com outras companhias; o valor cobrado pela empresa LAMIA era inferior aos demais orçamentos obtidos |6|; algumas companhias não poderiam realizar voos fretados para a Colômbia; nos demais jogos no exterior da Copa Sul-Americana, os voos da equipe da Chapecoense foram realizados por outras companhias aéreas; todas as tratativas foram feitas diretamente pelos próprios dirigentes da Associação Chapecoense - e não por intermediários -, todos eles vitimados no acidente aéreo; a seleção argentina, renomada equipe de futebol, havia realizado recentemente voos com aquela empresa e aquela aeronave; a própria equipe catarinense já havia realizado outra viagem com a mesma empresa e a mesma aeronave, sem ter identificado problemas ou qualquer situação que desabonasse - ao menos para pessoas sem conhecimento técnico na área - a confiança dos dirigentes, comissão técnica e jogadores da Associação Chapecoense de Futebol - e inclusive dos demais passageiros que haviam estado no voo anterior e que puderam ser ouvidos neste procedimento (porque milagrosamente sobreviveram ao acidente, ou, por dádiva do destino, não embarcaram no segundo voo).
Ou seja, não se identificou qualquer evidência de que algum brasileiro possa ter dado causa ou tenha contribuído para o trágico acidente.
Também não se vislumbra qualquer elemento a indicar que tenha havido qualquer pagamento de valor indevido ou outro interesse escuso para que essa contratação ocorresse. Também não se vislumbrou, nas tratativas com a empresa LAMIA, qualquer ingerência ou interferência indevida de algum dirigente de entidade ligada ao futebol.
Dessa forma, também não se identificou qualquer conduta negligente ou imprudente por parte dos dirigentes da Chapecoense que efetivaram a contratação da empresa LAMIA, pois, além de tudo o que acima restou demonstrado, sobreviventes do acidente e outras pessoas ouvidas afirmaram que a operação da companhia boliviana parecia semelhante à de qualquer outra empresa brasileira que opera voos regulares no país.
Além disso, pelo que consta do Relatório Preliminar da investigação aeronáutica e pelas observações do profissional indicado pelo CENIPA para auxiliar nesta apuração, houve uma série de falhas na permissão do voo por parte das agências bolivianas, que, em princípio, poderiam ter evitado o acidente, especialmente diante da flagrante irregularidade relativa à insuficiência de combustível da aeronave, tendo em vista que a autonomia declarada pela tripulação era igual ao tempo planejado em rota - provável causa principal do acidente aéreo. Mesmo assim, o plano de voo foi aceito - ou, no mínimo, não foi impedido/desautorizado -, mesmo constando cinco observações em contrário e com amplo conhecimento de que as informações apresentadas não estavam de acordo com as normas que regem a aviação civil na Bolívia.
Ademais, embora já referido, devem ser destacados uma vez mais gu os indícios de possível irregularidade na liberação dos voos da seleção argentina de futebol para o jogo das eliminatórias da Copa do Mundo no Brasil, cuja autorização foi concedida desconsiderando os pareceres contrários dos órgãos técnicos, a partir de uma alegada "excepcionalidade" do caso, quando a situação, em princípio, era em tudo similar aos voos solicitados para o transporte da equipe catarinense para a Colômbia. Chamam a atenção, nesse ponto, mensagens que denotam uma tentativa de uso de influências externas junto à ANAC para liberar o voo da Chapecoense com a empresa LAMIA e a duração desses voos, também próximas dos limites de autonomia da aeronave.
Em relação a outro voo da empresa LAMIA, para transporte da seleção boliviana de futebol, também para jogo das eliminatórias da Copa, em outubro de 2016, em Natal, chama a atenção a informação do Aeroporto de Brasília, de que somente tomou conhecimento da operação quando o Centro de Gerenciamento da Navegação Aérea confirmou que a aeronave havia decolado às 11h49 com destino à Capital Federal.
Esses elementos, além dos eventuais ilícitos penais e cíveis ocorridos, podem não representar um caso isolado, mas denotar possíveis falhas nos sistemas de autorização e controle de voos fretados no país, a demandar a devida apuração, especialmente quando considerado o risco inerente à atividade de serviço de transporte aéreo de passageiros.
Por fim, necessário registrar que a grande maioria das vítimas do acidente mantinham uma relação de cunho trabalhista com a Associação Chapecoense de Futebol. Os demais passageiros, ou estão inseridos em relações comerciais mantidas com outras empresas jornalísticas, ou eram convidados ou dirigentes do próprio clube, pessoas que, ao que tudo indica, gozavam de boa situação econômica (em sua totalidade, ou grande maioria, já assistida por advogados constituídos, cabe ser destacado).
Dessa forma, não se vislumbra qualquer direito ou interesse de caráter coletivo (mesmo em sentido amplo) a ensejar a atribuição do Ministério Público Federal para atuar na esfera cível em prol dos sobreviventes ou dos familiares das vítimas do acidente.
Diante do acima exposto, determino:
1. o encaminhamento de cópia deste despacho e da íntegra (em mídia digital) dos autos à Procuradoria da República no Distrito Federal, a fim de que adote as medidas que entenda cabíveis com relação a possível ocorrência de crime de prevaricação e/ou ato de improbidade administrativa por parte dos responsáveis pela autorização dos voos da empresa LAMIA para transporte da seleção argentina de futebol, em novembro de 2016;
2. a expedição de cópia deste despacho ao Tribunal de Contas da União, recomendando a realização de auditoria operacional nos procedimentos da Agência Nacional de Aviação Civil relativos à autorização de voos fretados, nos termos do art. 71, IV, da Constituição Federal;
3. o encaminhamento de cópia deste despacho à Secretaria Nacional de Aviação Civil e à Presidência da ANAC, para ciência e adoção das medidas cabíveis em suas esferas de atribuição;
4. encaminhe-se cópia deste despacho e da mídia digital com o depoimento da Sra. Celia Castedo Monasterio à Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República, para que avalie - se necessário, com a aquiescência da Exma. Sra. Procuradora-Geral da República - a pertinência de envio dessa cópia às Fiscalías boliviana e colombiana;
5. cópia deste despacho também deverá ser encaminhada ao Ministério Público do Trabalho em Chapecó, para ciência e adoção das medidas que entenda pertinentes em sua esfera de atribuição;
6. encaminhe-se também cópia deste despacho, para ciência, ao CENIPA e ao Major Aviador Marlon da Fonseca Sampaio, investigador de acidentes aeronáuticos, que prestou fundamental apoio a esta investigação;
7. por fim, que seja disponibilizada cópia integral dos autos, em mídia digital, para todos os familiares e demais pessoas que denotem interesse jurídico relevante, mediante solicitação escrita e fundamentada, e assinatura de termo de recebimento em que conste o compromisso de não divulgação de imagens e fotografias que possam gerar comoção ou qualquer prejuízo de ordem moral à memória das vítimas, seus familiares e demais pessoas envolvidas o com o acidente.
Notas:
1. Cumpre registrar que esse documento já foi amplamente divulgado, constando inclusive sua íntegra em site da internet: <http://paraserpiloto.com/wp-content/uploads/2016/12/Relat%C3%B3rio-Preliminar-CP-2933.pdf>. [Voltar]
2. Nesse sentido: <http://www.decea.gov.br/?i=quem-somos&p=o-decea>. Acesso em: 24 out. 2017. [Voltar]
3. Conforme: <http://www.infraero.gov.br/index.php/br/institucional/a-infraero.html>. Acesso em: 24 out. 2017. [Voltar]
4. Nesse sentido: <http://www.anac.gov.br/A_Anac/institucional>. Acesso em: 24 out. 2017. [Voltar]
5. Nesse sentido, a cotação da empresa GOL, no valor de US$ 312.743,00 (f. 398). [Voltar]
6. Cabe destacar que, esse aspecto - valor inferior do serviço -, isoladamente, não pode ser apontado - ao menos nos parece - como um indicativo de qualidade inferior ou de risco da contratação da empresa LAMIA, haja vista os demais fatores acima relacionados, além do fato de a variação, por exemplo, de tarifas no âmbito da aviação ser muito grande entre as companhias. [Voltar]
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